sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Domesticado

I

Acordei ainda com o gosto de carne na boca.
Não dormi sem escovar os dentes,
nem havia comido carne na noite passada.

Sonhei que era um robusto bárbaro.
Acabara de matar meu almoço: um pequeno cervo.
Estava retirando a pele do animal, meu corpo empapado de sangue,
quando prestes a dar a primeira mordida na deliciosa carne,
Despertei.

Não era exatamente eu naquele sonho.
Não teria talvez a coragem para matar um animal tão gracioso,
protegido por leis e ainda homenageado com um desenho da Disney.

Mas vi a cena como se estivesse lá
na mente daquela bárbaro faminto.
Ainda posso recordar as histórias dos anciões
contadas sempre no fim da tarde para um auditório de meninos silvícolas.
Por alguma razão
aquelas histórias estavam fossilizadas naquela mente primitiva.



II

À tarde, chequei meus e-mails. A maioria era spam.
Num deles uma propaganda aludia a desenhos rupestres.
Já havia visto alguns desses.... (talvez feitos pelo meu avatar do sonho)
...em cavernas que para mim só existiam em livros de Arte.

A propaganda lembrou-me do mundo que eu visitara à noite.
Pensei comigo “aqueles bárbaros não mentiram”.
A vida lá era tão simples e imediata quanto aquelas gravuras nas cavernas.
Amanhecia, levantava. Anoitecia, dormia.
Caçava para viver, dividia a comida com velhos, mulheres e crianças.

Mas também havia terror.
Os homens resolviam suas diferenças com paus e pedras,
não era como hoje que há leis e processos.
A humilhação pública provou ser uma arma bem mais eficaz que o tacape.
Ferir a reputação de um homem pelo intermédio de terceiros é muito mais civilizado que aquela hostilidade cara a cara.

Despertei desse flashback e voltei meus olhos para o desenho pitoresco que alegrava o meu monitor.
Aquela propaganda piscava, brilhava, sem falar na complexidade daquele design.
Sem dúvida eu estava diante de uma arte muito apurada!
Uma obra-prima do século XXI.

Senti falta de uma arte mais vistosa naquela minha viagem fantástica. A cena retratada pelo homem primitivo parecia o rascunho de um storyboard. O traço (feito à mão) não era elegante e o tom pastel não era comparável à diversidade de cores dos desenhos atuais.

Estando por uma única vez na mente do homem primitivo, só o que pude entender é que aquele desenho para ele era mágico.

Lá, a figura não representava alguma coisa, mas era a própria coisa materializada.
O homem que a pintara não era um artista. Para os olhos da tribo ele era um feiticeiro.


III

À noitinha meus olhos perseguiam por vários canais de TV a cabo,
sem me fixar em nenhum deles, passei por um documentário sobre a savana.
Assim que vi uma cena de caça, a mente primitiva de meu avatar invadiu minha alma.
Entendia agora o que é lutar pela sobrevivência,
ter os olhos fixos na presa e mais nada na mente.
Medo? Só sentia fome.

Lembro-me do momento da caça, mas a hora mais gloriosa era o retorno.
A tribo toda cantava e dançava sob as estrelas
e as fagulhas da fogueira, como vaga-lumes, acompanhavam os passos da dança.
Nessa hora, a mente primitiva ficou confusa, como uma TV com chuviscos.
Nós não pensávamos mais, só sentíamos o som dos passos, os gritos e o êxtase vitorioso de mais um dia que se findava. Sentia as bênçãos de Deus sobre nós.

Naquele mundo não havia moléstia.
Quando o mal se apoderava de um corpo, o curandeiro da tribo aliviava a dor do moribundo. Mas não me lembro de ver algum homem morrer nas mãos daquele velho.
Aqueles que se recobravam da moléstia agradeciam a Deus com oferendas.
O curandeiro nada recebia, nem mesmo um obrigado.
Dizia-se que ele não era curandeiro e que ele mesmo se considerava um servo da tribo.
“Os homens estão nas mãos de Deus” – dizia o velho em linguagem rudimentar.

Aquele que atentamente acompanha com os olhos a minha narrativa pode se perguntar como eu vivi tudo isso em apenas uma noite.
É que o tempo dos sonhos é mais alongado que o tempo real.



IV

Fui preparar meu jantar.
Não me veio nenhum sentimento surreal,
Apenas a emoção de ver (pelo vidro)
o queijo derretendo lentamente.

Ademais,
a Pós-Modernidade não é mais que
lasanha de microondas.

O Nobel tá de sacanagem!


Como pode o Brasil ainda não ter nenhum prêmio Nobel? Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México e outros países latino-americanos já possuem (pelo menos) um Nobel cada!

E nós? Será que não há, ou nunca houve um brasileiro merecedor dessa honraria?
Observe, a seguir, quantos brasileiros eram merecedores, apesar de nenhum deles ter ganhado (sendo que alguns nem foram indicados, apesar de merecerem):


Alberto Santos Dumont
Inventor do dirigível, do ultraleve e do relógio de pulso. Também foi o primeiro homem a realizar um voo documentado com uma máquina mais pesada do que o ar. O 14-Bis, inventando e pilotado por Santos Dumont, decolou e pousou por meios próprios, sendo assim, o brasileiro é o verdadeiro inventor do avião. Não patenteou nenhuma de suas invenções por acreditar que toda a humanidade deveria se beneficiar delas. Suicidou-se ao ver que sua invenção mais famosa estava sendo usada em combate.


Osvaldo Cruz
Foi cientista, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista, pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Comprovou que as doenças tropicais não eram causadas em decorrência da miscigenação de raças, como se pensava na época, mas por micro-organismos transmitidos pelos mosquitos.


Carlos Chagas
Foi um pesquisador. Destacou-se ao descobrir o protozoário Trypanosoma cruzi (cujo nome foi uma homenagem ao seu amigo Oswaldo Cruz) e a tripanossomíase americana, conhecida como doença de Chagas. Foi o primeiro e o único cientista na história da medicina a descrever completamente uma doença infecciosa: o patógeno, o vetor (Triatominae), os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia.Também trabalhou no combate à leptospirose e às doenças venéreas. Foi indicado ao Nobel.


Marechal Cândido Rondon
Foi militar, positivista e sertanista brasileiro. Descendente de índios, foi pioneiro do projeto do Parque do Xingu e da idéia de que “o índio só pode sobreviver em sua própria cultura”. Em 1957 foi indicado para o prêmio Nobel da Paz, pelo Explorer's Club, de Nova York.


Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas (os irmãos Villas-Bôas)
Sertanistas e ativistas pela causa dos índios, foram os idealizadores do Parque do Xingu, bem como diversas outras reservas indígenas. Fizeram várias expedições, conheceram a cultura indígina de perto, atuaram na criação e organização da Funai. Foram apresentados ao Prêmio Nobel da Paz, com indicação do antropólogo francês Claude Levi-Strauss.


Augusto Ruschi
Foi autoridade mundial em beija-flores e orquídeas; foi um dos primeiros homens a denunciar os efeitos danosos do DDT (utilizado na agricultura) sobre a natureza; a enfrentar a ditadura militar e denunciar o início da derrubada da Floresta Amazônica; a prever a escassez de água no mundo; a prever o aquecimento global; a denunciar o efeito danoso da agricultura em larga escala, com fertilizantes e agrotóxicos. Atribui-se ao brasileiro (capixaba) a ideia original das reservas ecológicas como espaços de preservação de espécies.


Chico Mendes
Sindicalista e ecologista brasileiro, mártir da causa ambiental na Amazônia.


Herbert de Souza (o Betinho)
Sociólogo e ativista brasileiro dos direitos humanos. Foi indicado ao Nobel da Paz.


O Brasil também teve chances na Física, com César Lattes e com Mario Schenberg; na química com Otto Gottlieb, na medicina com Sérgio Henrique Ferreira...


E na literatura?
Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima e tantos outros (indicados e não indicados) que não foram laureados pelo comitê.

Já é um absurdo que o Brasil, com escritores desse naipe, não tenha um Nobel sequer. Maior absurdo ainda é que na literatura de língua portuguesa haja apenas 1 ganhador: José Saramago (ele salvou a pátria, literalmente, mas a pátria aí é dos portugueses).


O prêmio Nobel da Paz (um capítulo à parte!) converteu-se em uma jogada política.

Dentre os vários brasileiros indicados, mas que nunca foram premiados, posso citar: Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara e Zilda Arns.

Veja se não é implicância: o brasileiro tem que quase se rasgar para receber uma indicação, já o americano recebe um prêmio por respirar.

Barack Obama levou o Nobel sem fazer efetivamente nada além de realizar trocas gasosas com o meio ambiente. É claro que o fato de ele ser o primeiro presidente negro dos EUA é uma grande conquista democrática para um país de maioria branca. Pode até soar como ironia, afinal, a ideia de “democracia representativa” seria a de que o presidente representasse a maioria de seu povo, mas é bonito ver que a questão da pele não o impediu de chegar lá, mesmo em um país com histórico (recente) de racismo.

Por um lado, fiquei feliz por ele. Mas apesar da minha simpatia pelo presidente Obama, eu não concordo com a premiação. Sim, concordo que ele fez mais pela paz do que o seu antecessor, mas superar George W. Bush no quesito PAZ não pode ser considerada nenhuma façanha!

Para mim (e para muitos outros) aquele Nobel da Paz foi mais do que um “voto de confiança”, parecia uma jogatina política.

Lula, o nosso ex-presidente, teve boas chances de trazer o Nobel da Paz para o Brasil. Em 2008, a UNESCO lhe concedeu o Prêmio pela paz Félix Houphouët-Boigny. Este é considerado um “pré-Nobel”.

Em 2009 o presidente norte-americano, Barack Obama, disse publicamente: “Lula é o cara”. Sim, talvez aquele comentário não pareça grande coisa hoje em dia, mas até então, todo brasileiro (incluindo eu mesmo) achava que nunca ouviria um elogio de um presidente norte-americano dirigido ao um presidente latino-americano.

Ainda em 2009, Lula foi considerado o homem do ano pelo jornal francês Le Monde, e a personalidade do ano pelo jornal espanhol El País. Também foi eleito pelo jornal inglês Finantial Times a 14ª entre as 50 personalidades da década. Em Londres, Lula foi premiado pela organização britânica Chatham House, em reconhecimento por sua atuação nas relações internacionais e na condução da política econômica e social brasileira.

Em 2010, Lula recebeu a premiação inédita de Estadista Global no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça. No mesmo ano, a revista norte-americana Time o apontou como um dos líderes mais influentes do mundo. Lula também recebeu a Medalha de Ouro “Aliança Internacional Contra a Fome” do Fundo das Nações Unidas contra a Fome, sendo também eleito “Campeão Mundial na Luta contra a Fome e a Desnutrição Infantil” (ONU, 2010).

Contou quantas honrarias e menções? Ora, tudo levava a crer que o Nobel viria para o Brasil em 2011. Gostando do Lula ou não, ele lavaria a honra do nosso povo, sendo o primeiro brasileiro a receber o prêmio. Mas aquele ano foi recordista de indicações (até a internet concorreu), e quem levou foi o dissidente chinês Liu Xiaobo. Ele merecia? Sinceramente, não sei; mas é claro que o comitê do Nobel quis afrontar politicamente o governo chinês.



Conclusão

Seja na literatura, na física, na medicina, na química ou na paz, o Brasil mereceu, por várias vezes, receber a premiação, principalmente pelos seus cientistas, ativistas e escritores.

O que mais particularmente me entristece é o caso da literatura. Saramago merecia até dois, três, quatro prêmios... E a literatura de língua portuguesa (seja feita em Portugal, Brasil ou África) merecia muito mais do que apenas 1 Nobel.

O poeta Carlos Drummond de Andrade desencorajou a sua própria candidatura, por não acreditar em premiações. Outros (como o filósofo francês Jean-Paul Sartre) recusaram o prêmio. Talvez, na época, isso parecesse loucura, mas hoje fica evidente que o Prêmio Nobel não é muito diferente do Oscar.


Fontes:
Wikipedia
TutoMania

Para ler mais: