quarta-feira, 18 de abril de 2012

A função do mito

O mundo atual, quando visto a partir de uma perspectiva etnocêntrica, é encarado como sendo lógico, racional, consciente e científico. Tal ponto de vista atribui apenas às “sociedades primitivas” a criação dos mitos. O erro aí é crer que os mitos não permeiam nosso mundo atual e, além disso, julgar que a nossa consciência individual é impermeável ao inconsciente coletivo.

Os mitos não constituem uma verdade científica, porém, não podem ser encarados como uma mentira. Alguns mitos aludem à natureza humana, proporcionando uma visão legítima da nossa condição de vida e um ponto de vista crítico sobre a nossa essência humana e animal.

Portanto, o conhecimento e interpretação dos mitos nos levam a muitas descobertas sobre nós mesmos enquanto seres racionais e emocionais. Exemplo disso é a linguagem simbólica dos sonhos. Esta é construída numa lógica muito semelhante à do mito, mostrando que o inconsciente individual e o inconsciente coletivo estão, de alguma forma, relacionados.

Outros mitos tentam justificar ou explicar a nossa organização social, a moral vigente, os tabus e certos padrões de comportamento. Não há como não fazer um paralelo entre mito e ideologia, ou mito e história. Ora, frequentemente, a História Oficial não passa de uma exaltação do vencedor sobre o vencido, ou ainda, de um conto para enaltecer a origem de um povo. Neste caso, a História deixa de ser ciência e passa a ser um aparelho ideológico do Estado. E não só a História, mas muitas outras ciências se corrompem em métodos pseudocientíficos, visando um ideal político ou religioso. E isso não é observado apenas nas ciências. Refiro-me agora à imprensa: o jornalismo, infelizmente, é a maior fábrica de “mitos”, sendo sempre parcial, visando interesses econômicos próprios. Neste caso, uso “mito” (entre aspas) para indicar que estou me referindo a outra concepção de mito. O mito não é uma mentira, ele é literário (de tradição oral), simbólico, utiliza-se do maravilhoso para expressar algo além do entendimento puramente racional. Já o “mito” é sinônimo de mentira, manipulação, ocultação da verdade. Ironicamente, os “mitos” criados pela imprensa, pela pseudociência e, algumas vezes pela História, recebem mais crédito do que os mitos literários.

Muitos mitos são alegorias sobre nossa condição humana e nossa relação com o mundo. Assim como as parábolas, os mitos têm o poder de nos fazer enxergar mais além, logo, eles podem ser mais poderosos do que proposições filosóficas e fatos científicos.

Entretanto, na nossa sociedade, cada tipo de conhecimento tem seu valor e lugar específico: o mito, a filosofia, a ciência. Até mesmo o jornalismo e a publicidade têm sua importância, aliás, enorme, já que a mídia é a maior formadora de opinião do nosso tempo (ou será a religião?). Tirando o fanatismo míope de algumas crenças, a religião é uma forma importantíssima de conhecimento. A religião, quando bem aplicada, só edifica.

Contudo, ainda considero a arte como a expressão mais sábia e sincera de conhecimento técnico, racional e emocional. Dentre todas as formas de conhecimento, apenas duas considero como necessidades inatas e indispensáveis ao homem: a arte e a filosofia. E incluo também a fé, mas não como um tipo de conhecimento, e sim como uma virtude.

Em resumo, o mito é um olhar para além da realidade. E o que é a realidade? Esta, talvez, nunca poderemos conhecer em si, porque o limite da ciência é a condição humana. O limite da condição humana é sua subjetividade intransponível. Mas o limite para a imaginação é o infinito.

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