sexta-feira, 6 de junho de 2014

Breve olhar sobre os anos 60: a última grande revolução





Na história da humanidade (não confundir com a história natural) sempre houve períodos de turbulência revolucionária. Refiro-me a períodos de intensa produção e reformulação do pensamento, que mais tarde – e, em alguns casos, concomitantemente – também culminariam em mudanças práticas.

As condições materiais de vida impulsionam o pensamento, a consciência, e esta as revoluções. Exemplos:
1) Possibilidades reais de expansão marítima e geração de riqueza – condições materiais que levaram ao sonho, desejo e necessidade de exploração além-mar – culminando nas Grandes Navegações;
2) Exploração colonial – condições materiais que culminaram em pensamentos emancipatórios nas colônias – teorias que dariam luz ao nascimento de novas nações independentes;
3) Absolutismo monárquico e insatisfação burguesa – condições materiais que culminaram no pensamento iluminista – ideias que por sua vez levariam à revolução francesa;
4) Exploração da mão-de-obra – condições materiais que culminaram no pensamento comunista – consequentemente levando às revoluções russa, chinesa, cubana entre outras.

Além do Iluminismo, houve outros três períodos históricos marcados por grande produção filosófica, científica e literária, todos determinantes para o pensamento e o modo de vida: o Renascimento, o Romantismo (incluindo correntes antagônicas no mesmo período – o séc. XIX) e o Modernismo (séc. XX). Todos eles tiveram fundamental importância na estruturação social e no modo como o homem passou a perceber o mundo. Houve ainda mais um período com mesmo grau de importância, porém mais atual: o período que comporta a década de 1960 e início da década de 1970.

Este foi um período de grande turbulência social e cultural. As condições materiais para isso são inúmeras, mas poderiam ser resumidas em uma tese central: a juventude crescendo em um período pós-guerra (fim da 2ª Guerra Mundial) e temendo a hipótese de uma eminente guerra nuclear. Ao encarar a ideia da morte eminente, essa juventude – até então reprimida – tentou sugar ao máximo, ao seu modo inocente, o que a vida e o momento presente lhes poderiam ofertar em prazeres hedonistas.

A cultura surgida como fruto desse pensamento e que seria a força impulsionadora das revoluções que ocorreriam nesse período está ainda no final da década de 1950. Este antecedente tinha o nome de rock and roll. Em termos de poesia, o rock era a única alternativa até então que falava aos anseios do jovem: namorar. Letras que falam de carros possantes se traduziam ao imaginário da juventude como uma fuga, uma possibilidade de liberdade, longe da vista dos pais. Em termos de música, era um som que exigia a formação de casais para a dança, aproximando as pessoas, permitindo o contato corpo a corpo numa sociedade sexualmente reprimida. Em termos de atitude, a preparação com roupa de baile e a desinibição pelo uso de álcool eram os rituais que não apenas antecediam o namoro, mas começaram a fazer parte do estilo de vida dessa geração.

Foi nesse contexto que cresceram os Beatles, os Rolling Stones e seus contemporâneos. A diferença é que para esses meninos já não bastava apenas estar presente do baile, eles queriam comandar a festa. Inspirados por seus ídolos da década de 1950 (Elvis Presley, Chuck Berry etc) eles saíram da escola em busca de um sonho: ser como os seus heróis.

Com muito trabalho eles conseguiram chegar ao estrelato no início da década de 1960. Tornaram-se então ídolos dos jovens da época e de sua própria geração. Mas em meados da década, as turbulências sociais e políticas se intensificaram, o que motivou um abandono da inocência e um engajamento artístico e popular em prol de melhores condições de vida. Entre 1966 e 1967 irrompeu o auge da cultura hippie, em protesto à Guerra do Vietnã, com modo de vida anticapitalista, slogans pacifistas, passeatas e apelos à liberdade de expressão, aos direitos das mulheres, ao fim da segregação racista.

Nesse contexto, a música já não era mais composta para bailes. Aqueles arranjos simples com três acordes deram lugar a arranjos complexos, mesclando rock e música clássica, às vezes com influência da música oriental, e com tudo mais o que a criatividade artística concebesse livremente, abolindo preconceitos. O ritmo mudou tanto que já não podia mais ser dançado, exigindo apenas a audição e apreciação do ouvinte. As letras então se tornaram mais elaboradas poeticamente e engajadas politicamente. E a música passou a ser apenas ouvida, e quando cantada, as canções converteram-se em hinos daquela geração.

Os Beatles reinavam absolutos como a voz mais influente da época, mas seus discípulos diretos e indiretos também estavam presentes, não só unindo-se ao coro, mas tentando levar a revolução cultural a níveis cada vez maiores.

No centro do mundo capitalista, os EUA, o festival de Woodstock em 1969 reuniu artistas como The Who, Janis Joplin, Jimi Hendrix e um público recorde de jovens em torno de uma única celebração. Era também uma fuga da agitação e dos problemas daquela época conturbada.

No ano seguinte, Jimi Hendrix e Janis Joplin morreriam aos 27 anos. Nove meses depois Jim Morrison juntar-se-ia a eles, também aos 27. Parecia o destino cobrando o seu preço por uma vida de muitos exageros: muitas festas, muitas drogas e muito trabalho.

No mesmo ano em que Jimi e Janis transcenderam deste mundo, os Beatles se separaram. Eles já não eram mais tão jovens, estavam chegando aos 30 e haviam tocado juntos por mais de 10 anos. Cada um foi se dedicar à sua própria família e carreira solo. Assim, 1970 foi um ano de perdas inestimáveis para aquela geração, causando algumas desilusões, marcando o fim de uma era, mas aquela agitação ainda perduraria por mais uns anos como um efeito ressaca. Bandas como Led Zeppelin e Pink Floyd se propuseram à missão de elevar o som dos anos 60 a patamares ainda mais complexos.


A poesia do Rock

Em “My Generation” (1965) o grupo The Who cantava ao espírito jovem contestador que questionava os valores pelos quais os pais educavam seus filhos. Um dos hinos daquela geração. A seguir um trecho da letra:

As pessoas tentam nos colocar pra baixo
Só porque nos damos bem
As coisas que eles fazem parecem terrivelmente frias
Espero morrer antes de ficar velho
Essa é a minha geração, baby

Por que vocês todos não desaparecem?
E parem de tentar entender o que nós dizemos
Não estou tentando causar nenhuma confusão
Só estou falando sobre a minha geração


No auge da agitação eis que surge um poeta tímido, Jim Morrison, mas ao assumir uma personalidade dionisíaca, tornar-se-ia um símbolo da liberação sexual. Nas apresentações ao vivo da banda, o poeta convocava os jovens à revolução:

The Doors - Five to One, 1968 (trecho):

Cinco contra um, baby
Um e cinco
Ninguém sai daqui vivo, agora
você leva os seus e eu levo os meus
Vamos conseguir, baby, se tentarmos

Todos nós envelhecemos e os jovens se fortalecem
Pode levar uma semana e pode levar mais tempo
Eles têm as armas, mas nós temos a maioria
Vamos vencer, sim, estamos dominando!

Seus dias de baile acabaram, baby


As condições de vida formaram o espírito da época que inspirou os jovens a acreditarem que um mundo melhor era possível e que isso dependia apenas deles, cobrando da juventude uma mobilização para tomarem o controle da política e de suas vidas, caso contrário poderia não haver futuro. Sonhando em fazer um mundo ideal, lutava-se contra problemas concretos: a guerra, o racismo, os valores machistas e as ditaduras (cada país tinha a sua a seu modo).


John Lennon - Imagine, 1971 (trecho):


Imagine não haver propriedades
Eu me pergunto se você consegue
Nenhuma necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade de homens

Você pode dizer que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia você junte-se a nós
E o mundo viverá como um só.



Era uma época diferente. Alguns daqueles anseios parecem não fazer mais sentido hoje, outros como a luta pela igualdade, o fim da fome e a paz, ainda são utopias de toda a humanidade.