quarta-feira, 1 de abril de 2015

Sujeito, modernidade e literatura fantástica



 “Cada vez que o escritor lança um complexo de palavras é a própria existência da Literatura que está sendo questionada; o que a modernidade dá a ler na pluralidade de suas escritas é o impasse de sua própria História” (BARTHES, 2000, p.54). Pensar a modernidade é pensar o sujeito que a faz, e no caso da literatura, pensar especialmente em escritores e leitores. Portanto, a pluralidade em voga na modernidade, bem como a complexidade de suas produções, simula o questionamento do sujeito desta modernidade, seja leitor ou escritor, e o impasse de utopias passadas.

Tentar apreender a essência do mundo natural deixa de ser a preocupação do pensador moderno. Um dos muitos que inaugura tal concepção foi o filósofo Nietzsche, que ainda no século XIX concebeu a realidade natural como metáforas. Nietzsche também foi um crítico da linguagem, para ele a separação entre sujeito e predicado era inconcebível, de modo que não haveria um sujeito de uma ação, mas apenas o sujeito, que seria a própria ação no espaço-tempo. Algo semelhante nos é apresentado na peça “Seis personagens à procura de um ator” de Lugi Pirandello.

“No fantástico atual, não há reconstrução; nenhuma explicação é dada ao acontecimento estranho, permanecendo na total ambiguidade” (RODRIGUES, 1998, p. 49). Esta é a condição do questionamento da linearidade, da fundamentação, do leitor, e, em última instância, do próprio ser e do próprio fazer literário. A ambiguidade no conto fantástico difere-o de outras narrativas e torna-se conditio sine qua non para o efeito de interrogação do sujeito e do mundo, ou seja, do eu e do outro, como ocorre em Kafka, Borges e Cortázar.

“Existem narrativas que contêm elementos sobrenaturais sem que o leitor jamais se interrogue sobre sua natureza, sabendo perfeitamente que não deve tomá-los ao pé da letra. Se animais falam, nenhuma dúvida nos assalta o espírito” (TODOROV, 1992, p. 38).  Este é o caso da fábula, nela tudo se resolve, tudo está pronto. O fantástico não se trata, portanto, de uma fábula, esta não produz o estranhamento que o fantástico se propõe a produzir. Neste sentido, o fantástico se aproxima mais do real do que outros gêneros.

O dadaísta Marcel Duchamp, utilizando-se da técnica do ready made, transportou elementos da vida cotidiana para o mundo artístico, dando-lhes uma nova função: ser Arte. Os conceitos de movimento, transitoriedade e de ruptura com o passado serão algumas das faces mais visitadas pela arte moderna que se seguirá. Na literatura, o escritor mexicano Octavio Paz trouxe um dos maiores paradoxos da arte do século XX: a tradição de ruptura.

“A ordem será sempre aberta, não se tenderá jamais a uma conclusão porque nada conclui e nem nada começa num sistema do qual somente se possuem coordenadas imediatas” (CORTÁZAR, 2008, p. 177). Não está contida no conto fantástico uma obra acabada, de um pensamento finalizado, mas talvez um início, um pensar inicial sobre um tema que pode sempre despertar novos olhares e novos inícios.

A modernidade também (re)inaugura uma retórica que não se fixa numa fundamentação, mas num jogo entre o eu e o outro. Não há, portanto, algo que seja apreensível, estável e uno. O sujeito moderno se caracterizará pela sua multiplicidade. O ser humano se constrói a partir do outro, vive múltiplos papéis de acordo com a identificação que se faz do outro, não se fundamenta no ser, mas no estar.

O fantástico e a alteridade promovem uma experiência inauguradora, ou seja, um olhar novo e diferente sobre a natureza e, em suma, a ruptura.

Referências:

BARTHES, Roland. O Grau Zero da Escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Tradução de Mario Laranjeira.

RODRIGUES, Selma Calasans. O Fantástico. São Paulo: Ática, 1998.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1992. 2ª edição.

CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 2008. Tradução de Davi Arriguci Jr e João Alexandre Barbosa.