quinta-feira, 30 de julho de 2015

O conceito de ideologia no materialismo histórico



No passado, o termo ideologia poderia ser concebido como sinônimo de falsa consciência. “Napoleão I, por exemplo, chamou de ideólogos pessoas das quais discordava” (Cornforth, 1982, p. 195).  Desde aquela época até hoje, o termo ideologia passou por uma reestruturação.

Por certo, houve deformações, por parte do senso comum, no conceito de Marx sobre ideologia, o que gerou alguns mitos em torno dessa palavra. “A palavra é muitas vezes usada em sentido exclusivamente depreciativo, denotando um sistema de idéias considerado radicalmente enganoso, porque é elaborado não para conceber as coisas como realmente são, mas para representar as coisas segundo a conveniência de uma facção ou de um ou outro interesse” (Cornforth, 1982, p. 195).

A palavra já foi usada se referindo à doutrina de um pensador, ou à teoria que orienta a prática. “Em sentido pejorativo, ideologia é o conjunto de idéias e concepções sem fundamento, mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não correspondem a fatos reais”. (Aranha e Martins, 1986, p 70).  Porém, para abordar o termo de forma objetiva e introdutória, as autoras de Filosofando definiram ideologia como “um conjunto lógico, sistemático e coerente de idéias e valores [representações] e regras [condutas] que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como pensar, o que devem valorizar e como valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, e como agir” (Aranha e Martins, 1986, p 70).

Um dos mitos que cercam o conceito de ideologia é o de achar que ideologia é uma criação de uma classe dominante. “Marx chamou a atenção para as raízes de classe, para o caráter de classe, e para a função das ideologias. Isso por vezes levou os marxistas à simplificação grosseira de dizer que é uma classe que cria uma ideologia e que para uma classe há sempre uma ideologia singular, única e integral dessa classe.” (Cornforth, 1982, p.195).


Em suma:

A ideologia não pode ser entendida como uma criação de uma classe dominante.
A ideologia não pode ser entendida exclusivamente no sentido pejorativo ou depreciativo.

Mais do que isso, ideologia são aquelas crenças e ideias que se manifestam na praxe material. É pela praxe que se identifica a ideologia de um povo. Como disse Marx: “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina a consciência”.


Fontes:

ARANHA, Maria Lúcia de A. e MARTINS, Maria Helena P. Filosofando, introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.

CORNFORTH, Maurice. Comunismo e filosofia; dogmas e revisões do marxismo hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

Níveis de leitura




1- Decodificar as palavras, orações e períodos;

2- Compreender a mensagem central do texto;

3- Compreender a mensagem central e informações explícitas no texto;

4- Compreender a mensagem central, informações explícitas e implícitas, bem como elementos intertextuais explícitos;

5- Compreender todas as ideias apresentadas no texto, bem como sua estrutura, contexto e todos os elementos intertextuais explícitos e implícitos (paródias, estereótipos, arquétipos etc);

6- Compreender todas as ideias apresentadas no texto, bem como sua estrutura, contexto, todos os elementos intertextuais e ser capaz de estabelecer com ele novas relações: comparações, paralelos e dialética com outros textos.

7- Compreender todo o conteúdo do texto, bem como sua estrutura e contexto, sendo capaz de estabelecer novas relações e julgá-lo criticamente: identificar ambiguidades, contradições, falácias, cacofonia etc.

8- Compreender todo o conteúdo do texto, bem como sua estrutura e contexto, sendo capaz de estabelecer novas relações e julgar criticamente, fundamentando argumentos com base lógica em outras ciências como: história, filosofia, teoria literária, psicanálise, psicologia, ciências sociais etc, incluindo outros gêneros textuais e midiáticos.

9- Compreender todo o texto, bem como sua estrutura e contexto, sendo capaz de estabelecer novas relações, julgando criticamente e fundamentando argumentos lógicos com base em outras ciências, incluindo outros gêneros e textuais e midiáticos, e identificar intenções ocultas no discurso.


10- Compreender a totalidade do texto e seus apontamentos possíveis, analisar as intenções ocultas do discurso, bem como a estilística do autor, fundamentando a análise em base científica e filosófica, sendo capaz de gerar novas questões e dúvidas para si como leitor.

Literatura de Cordel



Prof. Me. Renan (Estudos Literários)
Profª. Ma. Tatiana Vieira (História e Educação)



DEFINIÇÃO

O termo “literatura de cordel” é impreciso, uma vez que esse tipo de literatura não possui forma padronizada, podendo se apresentar como prosa narrativa (histórias), verso (desafios, pelejas, cantigas etc) ou teatro.

Apesar da ausência de padronização formal, esses textos têm em comum a origem ou influência da tradição oral.

A temática também é variada, mas quase sempre regionalista. O método de impressão e distribuição é conhecido desde a Europa e a Ásia.

Importa ressaltar que o formato do livro e modo de distribuição por si só não definem o tipo de literatura.


ORIGENS

Desde a Grécia homérica (8 a.C.) já havia poetas que cantavam os feitos heróicos das guerras e dos Jogos Olímpicos. Também cantavam hinos aos deuses e à pátria; ou celebravam a caça, a colheita e a pesca. Alguns deles cantavam aos noivos em cerimônias matrimoniais, ou expressavam o luto em funerais de pessoas ilustres. Havia comédias para ironizar personagens das cidades-estado e epopeias para imortalizar feitos lendários. Os mais ousados cantavam simplesmente o amor (eros).


TROVADORISMO

Na Europa medieval existiam jograis e menestréis que cantavam histórias de cidades longínquas, temas religiosos ou o amor a uma donzela. As cantigas medievais em Portugal datam do século XIII.


LITERATURA DE CORDEL PORTUGUESA

O primeiro registro de literatura de folhetos em Portugal pertence às peças de Gil Vicente, que publicou sob este formato alguns de seus autos. O grande nome desse gênero de publicação foi Baltazar Dias (séc. XVI).


A LITERATURA DE CORDEL PORTUGUESA ATRAVESSA O ATLÂNTICO

Alguns textos editados em folhetos foram enviados ao Brasil, como se vê no “Catálogo para Exame dos Livros para Saírem do Reino com Destino ao Brasil”, conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal.

Tratava-se de pedidos de autorização para o envio de material impresso ao Brasil, destinados à Real Mesa Censória (criada em 1768) a quem competia conceder ou não a licença, de acordo com a natureza do livro.


FORMAÇÃO DA POÉTICA NORDESTINA

Diferentemente da literatura de cordel portuguesa, que não possui uniformidade, a literatura de folhetos nordestina é bastante codificada.

As apresentações públicas de narrativas, charadas e disputas possuem estilo peculiar e parecem ter iniciado seu processo de definição ainda no espaço da oralidade, muito antes da possibilidade de haver material impresso.

Um dos iniciadores desse estilo foi Agostinho Nunes da Costa (1797 – 1858). As primeiras publicações datam do final do século XIX. Leandro Gomes de Barros está entre os nomes que sistematizaram o método de edição.


Fonte:
ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas – SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999.

Academia Brasileira de Literatura de Cordel:  http://www.ablc.com.br/

 
Livros expostos em varal.

sábado, 11 de julho de 2015

O Livro do desassossego



O “Livro do desassossego” é uma obra de Fernando Pessoa publicada postumamente sob os heterônimos de Bernardo Soares e/ou Vicente Guedes, dependendo da edição. Todo o livro funciona como uma grande catarse literária, é talvez a obra na qual podemos conhecer melhor a visão de mundo desse poeta português que é, sem dúvida, um dos maiores poetas de todos os tempos.

A seguir, alguns trechos e comentários da obra.


Da catarse literária:

Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer.

[...] porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas.

Escrevo, triste, no quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se, a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes [...]



No primeiro trecho vemos que o ato de escrever se realiza em si, sem que para isso haja a necessidade de nexo ou fatos a serem contados, a razão da escrita é apenas o ato de escrever: “narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida [...] se nelas nada digo, é que nada tenho a dizer”. Também constata-se no trecho seguinte que para o escritor é tão válido o amor que ele dá ao seu tinteiro, no ato de escrever, quanto qualquer outra forma de amor ou de indiferença. No terceiro trecho destacado acima, vemos que o escritor assume a possibilidade de sua voz (seu pensamento) encarnar a essência de toda a humanidade.


Da natureza humana e do romantismo:

O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos. [...]

A maior acusação ao romantismo não se fez ainda: é a de que ele representa a verdade interior da natureza humana. Os seus exageros, os seus ridículos, os seus poderes vários de comover e de seduzir, residem em que ele é a figuração exterior do que há mais dentro na alma [...]





Do niilismo:

Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do Destino.

[...] e não têm consciência de nada, porque não têm consciência de ter consciência. Uns inteligentes, outros estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são da mesma idade. Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que não existe.

Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. A sua vida humana é cheia de tudo quanto constituiria uma série de angústias para uma sensibilidade verdadeira. Mas, como a sua verdadeira vida é vegetativa, o que sofrem passa por eles sem lhes tocar na alma, [...]




Da náusea:

Guardo do pouco tempo que me estagnei nesse exílio da esperteza mental uma recordação de bons momentos de graça franca, de muitos momentos monótonos e tristes, de alguns perfis recortados no nada, de alguns gestos dados às serventes do acaso, e, em resumo, um tédio de náusea física [...]

Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar.



Fernando Pessoa morreu 3 anos antes da publicação do romance “A náusea” do filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre. No romance de Sartre, a personagem protagonista sofre de uma aversão ao ser humano e sua condição existencial, sensação esta descrita como náusea. No trecho acima vemos que a náusea física no “Livro do desassossego” também é uma sensação de aversão à condição existencial humana: “Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há”.

Em “Poema em linha reta” Álvaro de Campos, outro heterônimo de Fernando Pessoa, se descreve como um ser “ridículo e absurdo”, que tem sido cômico até às serventes dos hotéis:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, [...]
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, [...]
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! [...]
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? [...]

Nesse poema, Álvaro de Campos é sarcástico ao dizer que todos os seus conhecidos “têm sido campeões em tudo” denunciando a hipocrisia, a dissimulação, a máscara social que encobre as fraquezas humanas inconfessáveis: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/ estou farto de semideuses/ Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”.

Da saudade (sentimento lusitano):

Saudades! Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do mistério da vida. Caras que via habitualmente nas minhas ruas habituais — se deixo de vê-las entristeço; e não me foram nada, a não ser o símbolo de toda a vida.

O patrão Vasques. Que me é esse homem, salvo o obstáculo ocasional de ser dono das minhas horas, num tempo diurno da minha vida?
O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, os bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.

No terceiro trecho há uma menção curiosa a um gato. Seria ele um gato que rondava pelas vizinhanças frequentadas por Fernando Pessoa? Além de esse gato aparecer ao seu semi-heterônimo em o “Livro do desassossego” ele também já foi visto por seu ortônimo, que inspirado pelo felino, lhe dedicou um poema o qual publiquei aqui neste blog já há algum tempo. Segue o link para o poema:

Uma das mais conhecidas frases de Fernando Pessoa está neste livro. É esta que destaco em negrito: “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa”.

Mas um dos mais belos trechos do livro é este a seguir, no qual o autor num momento raro em sua obra desconsidera a participação do destino e a determinação do meio para afirmar a importância do querer e a força do agir, a vontade própria como guia para o sucesso. É com esta citação que termino esta postagem:

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não ficarem ali?”

Mas não poderia terminar sem agradecer aqui às minhas orientadas, Brenda e Elaine, que me proporcionaram a oportunidade e obrigatoriedade imensamente satisfatória e deleitosa de ler mais essa magnífica obra de Pessoa, talvez a sua única obra escrita em prosa.

Obs: As análises aqui sobre o “Livro do desassossego” são minhas, não constam no artigo delas, que escreveram com autonomia e fizeram suas próprias análises, tendo na minha orientação apenas um apoio técnico-normativo e moral (incentivador). Aprovadíssimas após a apresentação do artigo de conclusão de curso, espero em breve ver o trabalho delas publicado, pois fizeram análises dignas de se ter conhecimento. Parabéns, meninas!



O “Livro do desassossego” está disponível em domínio público para download.