domingo, 20 de novembro de 2016

O pássaro engaiolado

Da minha janela vejo um pássaro engaiolado. E os pássaros livres voam em volta dele. Ele tem água e comida em fartura, mas não parece feliz, ao contrário daqueles que voam livres ao seu redor e só contam com  a providência divina para comer e beber.

Parece uma metáfora sobre a inútil tentativa humana de governar o destino dos outros. Ou uma alegoria sobre o capitalismo. Ou uma autorreflexão sobre vontades e frustrações, disfarçada por arquétipos oníricos. Ou uma epifania sobre os desígnios de Deus. Mas não. É apenas um pássaro engaiolado, triste, real e nada simbólico. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A origem de Monga

Em 1901, no interior da Rússia havia um pequeno circo, tão pequeno que não tinha nome. Tinha anões, um homem forte, mímicos malabaristas, equilibristas e um tocador de trompete, mas não tinha nome. A atração principal era um mágico ilusionista, talvez o melhor de sua época.

Num palco escuro, cheio de suspense e surpresas, esse mágico materializava qualquer animal ou objeto no ar. E com igual facilidade ele fazia essas coisas levitarem diante de um respeitável público. Certa vez ele fez um elefante desaparecer do picadeiro, como se tivesse evaporado tão rápido quanto um piscar de olhos. A plateia batia palmas tão alto e tão forte que dava a impressão de o som dos aplausos poderem chegar à capital.

Mas tanta comoção também trouxe ventos de inveja. Seu camarim era muito visado, porque lá estavam guardados todos os objetos de mágica. Por isso ele não podia se afastar muito. Lá ele comia, dormia, aparava a barba e o bigode. Toda a sua vida estava ali. Obviamente nunca recebia visitas no interior do camarim. Era de lá para o picadeiro e do picadeiro de volta para lá. O problema era como fazer para proteger seus segredos de mágico enquanto ele estava no centro do picadeiro entretendo e encantando as pessoas.

De tanta preocupação, um dia ele teve um estalo e Zap! Inventou um método para espantar curiosos e espiões que tentavam descobrir seus segredos e vender para outros mágicos.

Numa noite de espetáculo três meninos aguardavam o mágico entrar no picadeiro. Após dois números eles saíram da lona como se fosse para comprar pipoca ou ir ao banheiro, mas o que eles realmente procuravam era o quarto do mágico. E lá fora encontraram entre tendas um corredor sombrio que dava naquele camarim. Os moleques seguiram pelo corredor, mas se depararam com uma jaula vazia bem na frente da porta do camarim. Quando se aproximaram um pouco mais, uma luz se acendeu e eles viram uma mulher belíssima dentro daquela jaula. Ficaram pasmos por aquela surpresa, mas também admirados pela beleza da moça. Não deram nem mais um passo, mas os olhos se moviam na direção dela. E apreciando aquela forma feminina eles pouco a pouco viram a mulher se transmutar num enorme gorila enfurecido e que rompeu as grades da jaula. Os três rapazes saíram de lá apavorados, correndo o mais rápido que podiam e sem olhar para trás.

E foi assim, nos bastidores, longe do interior da lona circense, que aquele grande mágico fez a sua maior contribuição para o mundo do ilusionismo.

Após a sua morte, já em idade avançada, o truque da mulher gorila se espalhou pelo mundo, tornando-se mais uma atração de parques e circos. Não se sabe muito bem como ou quem revelou o segredo, mas essas coisas são assim mesmo, ainda que não se entenda o porquê. Os segredos dos mágicos se esfarelam com o tempo, como pedras que viram pó e são carregadas pelo vento.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Bob Dylan - Nobel de Literatura 2016

O cantor e compositor americano Bob Dylan é o eleito para o prêmio Nobel de Literatura 2016. Isso soou estranho para alguns, surpresa para outros, e não faltaram críticas do tipo "Ele deveria receber um Grammy". Este prêmio ele também já possui, dentre vários outros.

Dylan mereceu? Dada a importância de suas letras, Sim! Uma prova disso é que a revista Rolling Stone elegeu uma de suas músicas como a mais importante de todos os tempos. A música é "Like a rolling stone". E quando Dylan foi introduzido ao Rock and Roll Hall of Fame, Bruce Stringsteen disse: "Elvis libertou seu corpo, Dylan libertou sua mente.".

O documentário "No direction home" de Martin Scorsese traça a vida do cantor em seus primeiros anos de carreira e mostra o impacto que Dylan causou na música folk e pop.

Outro argumento a favor de Dylan é a influência que ele foi para importantes artistas e bandas de rock. Cito apenas uma: The Beatles.

E as letras de música podem ser consideradas poesia/literatura? A resposta é Sim! Desde a Grécia Antiga, o hino, a ode, o epinício, a elegia, o ditirambo etc e na Idade Média a canção, a cantiga (trovadora), a balada, o madrigal, o rondó etc eram todas formas de poesia cantada. Daí essas formas poemáticas serem agrupadas e categorizadas na Teoria Literária como sendo formas líricas. Até mesmo no nome elas têm relação com a música: ode (canto, em grego), soneto (sonzinho, em italiano), hino, cantiga, canção etc.

Após o anúncio da premiação, Dylan foi acusado de ser arrogante, por ter se mantido em silêncio. Mas o prêmio era pela sua contribuição que "criou novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Ou seja, não era um prêmio para "cantor/compositor mais simpático".

Mas sempre há os críticos com aqueles argumentos do tipo: "há tantos escritores por aí que mereciam". Sim, há. Todos eles provavelmente merecem. Mas vejo essa premiação como um importante e definitivo reconhecimento de que as letras de música pop, folk e rock têm valor poético. Ou ainda, de que a letra de música é poesia (como sempre o foi, desde a tradição grega). 

Pessoalmente, se fosse pelas letras de músicas eu teria elegido John Lennon ou Morrissey (The Smiths). Mas Morrissey começou nos anos 80, quando todas as maiores revoluções já tinham acabado, e Lennon só começou a apresentar letras realmente interessantes a partir de 1965 com a música "Help", e depois gradualmente no álbum Rubber Soul (1965), mais ainda em Revolver (1966), Sgt. Peppers (1967), a música "All You Need is Love" (mesmo ano), "Revolution" (68) e assim por diante até por toda sua carreira solo (1970-80). Dylan começou a ser diferente e a chocar o mundo um pouco antes, já em 63 com "Blowin in the wind" e mais ainda em 65 com "Like a rolling stone". Por isso, ele é o cara! Sua poesia de protesto, influenciada pela literatura beat e a música folk são os elementos que o fizeram ser reconhecido, admirado, seguido e copiado.

Se Dylan aceitará o prêmio, isso já é outras história. O filósofo Jean-Paul Sartre, vencedor do Nobel, o recusou. E o poeta brasileiro Carlos Dummond de Andrade desencorajou sua candidatura. Talvez Dylan seja desses. Afinal, dinheiro, prêmios e reconhecimento pelo seu talento são coisas que não lhe faltam. Humildade, simpatia, essas coisas talvez sim. Mas nossa sociedade sempre premiou o talento, o mérito, não a humildade e a simpatia (pelo menos não com um prêmio no valor de quase 1 milhão de dólares). 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ozymandias

Ao vir de antiga terra, disse-me um viajante,
Duas pernas de pedra, enormes e sem corpo,
Acham-se no deserto. E jaz, pouco distante,
Afundando na areia, um rosto já quebrado,
de lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante
Mostra esse aspecto que o escultor bem conhecia.
Quantas paixões lá sobrevivem nos fragmentos,
À mão que as imitava e ao peito que as nutria!
No pedestal estas palavras notareis:
"Meu nome é Ozimândias, e sou Rei dos Reis
Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!"
Nada subsiste ali. Em torno à derrocada
Da ruína colossal, areia ilimitada
Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.


Percy Bysshe Shelley, 1818.
Tradução de Eugênio da Silva Ramos.

Comentário:
No poema vemos um exemplo de efemeridade: o tempo a tudo corrói, destrói, derruba, leva consigo... Até mesmo a pretensa "divindade" do Faraó Ozimândias (Ramsés II) cujo império e poder foram consumidos pelas areias do tempo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Casos recorrentes de pronome-cópia

Leia a oração abaixo:

"O jovem do Ensino Médio, ele não pode ficar com 12 matérias [...]"
(O Globo, 22/09/2014)

Há algum tempo tenho reparado essa construção cada vez mais presente na fala e, às vezes, na escrita de alunos de todos os níveis de escolaridade e classe social.

Na construção "O jovem do Ensino Médio, ele não pode ficar com 12 matérias [...]" ocorre o que os estudos sociolinguísticos classificam como pronome-cópia. Nessa estrutura sintática, que é do tipo que mais tenho notado no dia a dia, o pronome-cópia [ele] repete o sujeito [O jovem do Ensino Médio] que está imediatamente anteposto a ele.

Na gramática normativa, as únicas construções aceitas seriam:
1- O jovem do Ensino Médio não pode ficar com 12 matérias [...] ou
2- Ele não pode ficar com 12 matérias [...].
3- Ele, o jovem do Ensino Médio, não pode ficar com 12 matérias [...].

O sujeito em cada uma das orações acima está em negrito. A explicação é que o sujeito simples só pode ter um núcleo [jovem na oração 1 e Ele na oração 2]. Na oração 3 o sujeito é Ele, enquanto "o jovem do Ensino Médio" é um aposto que explica o termo anterior. Note que o aposto aparece entre vírgulas.

Portanto, na gramática normativa, a cópia ou repetição do sujeito por um pronome seria uma redundância semântica e um desvio sintático. Sendo assim, construções do tipo "O jovem do Ensino Médio, ele não pode ficar com 12 matérias [...]" devem ser evitadas na fala e na escrita.

Todavia, uma explicação alternativa é que o pronome-cópia nesse tipo de construção enfatizaria o sujeito que está topicalizado. Isso pode ser notado na entonação que o falante dá ao pronome-cópia.

Esta postagem permanecerá, pelo menos por hora, inconclusiva. Mas o tema é muito pertinente aos estudos gramaticais, pragmáticos, semânticos, sociolinguísticos e estilísticos.

domingo, 4 de setembro de 2016

Redação no Enem

Competências avaliadas na redação:

I- Demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita.

II- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.

III- Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.

IV- Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.

V- Elaborar proposta de solução para o problema abordado, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

A matriz tem um aspecto inovador no que se refere ao texto dissertativo-argumentativo: além de solicitar um ponto de vista da parte do autor, prerrogativa desse tipo textual, também requer a elaboração de uma proposta de intervenção social que respeite os direitos humanos (competência V).

A redação é corrigida e avaliada por dois corretores, profissionais da área de Letras. Para o cálculo da nota, soma-se a pontuação atribuída pelo corretor em cada competência, e divide-se o total por 5. O mesmo é feito com referência ao segundo corretor. Cada corretor desconhece a nota atribuída pelo outro corretor, sendo a nota final a média aritmética das duas notas obtidas. No caso de discrepância igual ou maior do que 300 pontos, haverá outra correção por um professor supervisor. Essa terceira nota é a que prevalecerá. A terceira correção configura-se como um recurso de ofício.


A nota zero na redação poderá ser atribuída ao participante nas seguintes situações:

Apresenta texto em branco - B (em branco)
Apresenta texto com até 7 linhas (não incluindo título) - I (insuficiente)
Apresenta texto em que haja a intenção clara do autor em anular a redação ou texto que desconsidera a competência V (fere explicitamente os direitos humanos) - N (nulo)
Apresenta texto que não desenvolve a proposta de redação, considerando-se a competência II (desenvolve outro tema e/ou elabora outra estrutura textual - F (fuga ao tema/ não atendimento ao tipo textual)


Por fim, vale lembrar:

Apenas as redações adequadamente transcritas na Folha de Redação são corrigidas.
A redação deve ser transcrita para a Folha de Redação com caneta esferográfica de tinta preta.
Para ser corrigida, a redação deve ter o mínimo de 8 linhas.
O rascunho e as marcações assinaladas nos Cadernos de Questões não são considerados para fins de correção da redação.
Na redação corrigida, não há necessidade de título. Caso o participante inclua título, este não será computado como linha efetivamente escrita para o mínimo de 7 linhas.
As rasuras devem ser evitadas. Caso ocorram, basta passar um traço no trecho inadequado e dar continuidade ao texto.
A proposta de redação apresenta textos motivadores que não devem ser copiados no texto produzido.


Fonte: Ministério da Educação, 2011.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Namoradinha*

Quando era criança
Tinha uma namoradinha,
Ou melhor,
Namorvizinha.

Morava na casa ao lado.
Mas o pai dela...
Era uma onça!
Eu sou Mendonça.

Namorávamos então por telefone de latinha,
Lá tinha!
Isso no tempo do onça.

Hoje, menos criança,
Tenho uma namorada que é uma onça.


In memoriam: Que haja justiça para a onça das Olimpíadas.














* Paródia do poema "A namorada" de Manoel de Barros,
Escrito com tristeza pela barbárie contra um animal tão lindo e inspirador,
Mas a namorada brava e linda que me suporta nos momentos tristes
Inspira-me a escrever com leveza e humor.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Dissertação sobre Augusto dos Anjos

Esta é minha dissertação de mestrado em Letras - Estudos Literários (2011), na qual estudo a poesia de Augusto dos Anjos (1884-1914).

http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_4543_.pdf

No capítulo 1 abordo suas influências, desde o positivismo da Escola de Recife até o seu misticismo. Augusto dos Anjos se caracteriza por congregar influências diversas e antagônicas, mas de forma dialética, resolver a seu favor os empasses entre medo e esperança, religião e ciência, vida e morte.

No capítulo 2 faço uma discussão sobre as pulsões psicanalíticas que reverberam em sua poesia: o Eros e o Tânatos complementando-se em equilíbrio. 

No capítulo 3 o tema passa a ser a angustia existencial de seu "eu lírico" e como, na sua retórica, ele expressa a angustia de toda humanidade perante a morte e a vontade de transcendência que é intrínseca a todos os povos desde os primórdios da nossa História.

O poeta paraibano manifesta ao decorrer dos textos o seu complexo de Édipo, a sua rejeição da poesia erótica e da luxúria, a admiração pela maternidade e seu entusiasmo ecológico, beirando ao panteísmo e ao vegetarianismo.

Essas manifestações somadas aos recursos retóricos, além de toda a ciência e filosofia de seu tempo empregadas em sua poesia, são as bases que Augusto dos Anjos utilizou para lançar seu projeto literário, único e original, e que nos deixa uma pergunta sem resposta, mas também uma certeza: a palavra é imortal.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Sentença de Tiradentes

[...] prova, que especificamente soubessem da conjuração e dos ajustes dos conjurados, mas que somente souberam das diligências públicas, e particulares, que fazia o réu Tiradentes, para induzir gente para o levante, e estabelecimento da república, pelas práticas gerais que com ele teve, ou pelos convites que lhes fez para entrarem na sublevação, suposto que não estejam em igual grau de malícia e culpa como os sobreditos réus, contudo a reserva de segredo de que usaram, sem embargo de reconhecerem, e deverem reconhecer a obrigação que tinham de delatar isso mesmo que sabiam, pela qualidade e importância do negócio, sempre faz um forte indício da sua pouca fidelidade, o que sempre é bastante para estes réus ao menos serem apartados daqueles lugares onde uma vez se fizeram suspeitosos, porque o sossego dos povos e conservação do Estado pedem todas as seguranças para que a suspeita do contágio da infidelidade de uns, não venha a comunicar-se e contaminar os mais.

Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do Regimento pago da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios das maiores povoações, até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]


Fonte:
http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/Autos%20da%20devassa%20completo.pdf

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Suffer little children

Tradução: “Deixai as criancinhas”. O título dessa canção dos Smiths faz referência à Bíblia, livro de Lucas 18:16, quando Jesus diz “Deixai vir a mim as criancinhas”. Mas há duplo sentido, podendo ser traduzido como “Sofrem as criancinhas”.

A letra se refere a uma série de assassinatos de crianças ocorridos em Manchester nos anos 60. O caso ficou conhecido como Moors Murders, isto é, “Homicídios de Moor”. Esta última palavra é um termo geográfico sem correlato preciso na língua portuguesa, mas refere-se a um lugar como um planalto com prados ou um tipo de charneca britânica (moorland). É o local onde foram escondidos os corpos das vítimas.


Moor (ou Moorland) de Saddleworth, Manchester.















Das crianças, três nomes são citados: Lesley Ann “Lesley Ann with your pretty white beads”[1]; John “Oh, John, you'll never be a man. And you'll never see your home again”[2] e Edward “Edward, see those alluring lights. Tonight will be your very last night”[3]

O verso “Find me, find me”[4] refere-se a Keith Bennett cujo corpo nunca foi encontrado. A letra faz referência também à mãe desse menino quando diz: “I know my son is dead. I'll never rest my hands on his sacred head”[5].

Myra Hindley e Ian Brady receberam prisão perpétua pelos homicídios. Ela é citada na letra: “Hindley wakes and says: Oh, whatever he has done, I have done”[6].

A lírica de Morrissey assume uma voz fictícia representando as crianças quando ele canta: Estamos numa moor silenciosa e enevoada. Nós podemos estar mortos e podemos ter ido para sempre. Mas sempre estaremos bem perto, até o dia em que vocês morrerem. Este não é um passeio fácil. Nós os assombraremos quando vocês rirem. Sim, vocês poderiam dizer que formamos um time. Vocês podem até dormir, mas vocês nunca mais irão sonhar”. Esta fala também pode ser interpretada como vozes acusativas na consciência pesada do casal, ainda que a psicopatia seja caracterizada pela ausência de remorso.

De acordo com o site Songfacts, Morrissey escreveu essa letra após ler Beyond Belief: A Chronicle of Murder and its Detection (Inacreditável: uma crônica de assassinato e suas descobertas). O livro não tem título em português, então fiz aqui uma tradução livre.

Este é um vídeo musical de “Suffer little children” com slides sobre o triste caso:



Nota 1: este é um exemplo de lírica sobre um caso verídico. Morrissey fez esta letra em tributo às vítimas e seus familiares. Ele próprio era uma criança quando esses crimes horríveis aconteceram em Manchester, cidade onde ele cresceu.

Nota 2: fiz uma tradução contextualizada aos fatos e de alguns trechos mais difíceis, buscando explicar as ocorrências de duplo sentido e a falta de correlato na língua portuguesa. Os demais versos não carecem de explicação, bastando uma tradução literal simples, por isso não os mencionei aqui.

A letra completa e correta, na sua versão original, pode ser vista neste site:
http://www.azlyrics.com/lyrics/smiths/sufferlittlechildren.html




[1] Lesley Ann, com seu belo colar de miçangas brancas.
[2] Oh, John, você nunca se tornará um homem (adulto). E você jamais verá seu lar de novo.
[3] Edward, veja aquelas luzes atraentes. Hoje será sua última noite.
[4] Encontre-me, encontre-me.
[5] Eu sei que meu filho está morto. Eu nunca mais irei colocar minhas mãos sobre sua cabeça sagrada.
[6] Hindley acorda e diz: Oh, o que quer que ele tenha feito, eu também fiz.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Poesia e retórica

Eis um soneto em que se vê um belo exemplo de retórica, assemelhando-se a um texto dissertativo, mas em linguagem poética. Apresenta-se também como um texto metalinguístico, porque o argumento sustentado pelo autor é justamente a valorização da forma textual. Olavo Bilac defende a tese parnasiana segundo a qual o poeta deve prezar pelo valor estético de sua obra e que esta produzirá o efeito esperado pelo artista.


A Um Poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica, mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.


No primeiro quarteto o autor introduz o tema e diz: “[O poeta] trabalha e teima, e lima e sofre, e sua”. No segundo quarteto ele recomenda e argumenta: “Mas que na forma se disfarce o emprego do esforço”, ou seja, que o poeta não expresse emoções, mas priorize a temperança “como em um templo grego” e, sobretudo, o valor formal [estético] do seu engenho [o fazer poético]. No primeiro terceto o autor reforça o argumento: “Não se mostre na fábrica o suplício do mestre”. Isto significa que a composição não deve enfatizar o sentimento do poeta, mas que o efeito “agrade sem lembrar os andaimes do edifício [i.e: que o resultado final seja belo sem lembrar o trabalho de composição]”. No terceto final, Bilac conclui dizendo que a Beleza [a estética] é a Verdade, inimiga do artifício [do sentimento produzido em poesia], e que a Beleza se encontra na simplicidade [de conteúdo].

Os poetas parnasianos defendiam a arte pela arte, o culto à forma, rejeitando as emoções exacerbadas e os conteúdos elaborados. Eles foram uma antítese ao sentimentalismo romântico e à poesia social dos realistas.


Nota pessoal
Como leitor, valorizo a subjetividade da poesia romântica e o engajamento político do Realismo, mas não posso negar que Bilac desenvolveu uma excelente argumentação capaz de defender a proposta artística parnasiana e de questionar os movimentos literários que a antecederam.

Observe que as minhas paráfrases sobre trechos citados não dão conta de explicar totalmente o que o autor diz em linguagem poética, porque esta forma de linguagem expressa um nível de raciocínio que a linguagem dissertativa não é capaz de atingir sem simplificar a riqueza semântica e formal do texto poético.


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Nise da Silveira nas telas de cinema

O filme "Nise: o coração da loucura" estreia nesta quinta, dia 21 de abril. A produção — estrelada por Glória Pires e dirigida por Roberto Berliner — ganhou o festival de cinema de Tóquio, no Japão.

Nise da Silveira foi pioneira da Psicologia Analítica no Brasil, mantendo correspondências com Carl Jung. 

Ela obteve reconhecimento internacional por suas ideias humanistas no tratamento de doentes mentais. 

Na década de 1930 foi detida pela posse de livros marxistas. Tendo convivido com Graciliano Ramos na prisão, tornou-se personagem de sua obra literária "Memórias do Cárcere".


Nise inovou ao estimular em seus pacientes a pintura de telas e o contato com animais como técnicas coterapêuticas de reabilitação.

Uma das obras publicadas por Nise.





















Cartaz do filme

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Letra de música traduzida

That Joke Isn't Funny Anymore
Composição de Morrissey e Johnny Marr (The Smiths)

Pare o carro no acostamento
Você deveria saber
A maré do tempo vai te sufocar
E a mim também

Quando você ri de pessoas
Que se sentem tão sozinhas
Que o único desejo delas é morrer
Eu lamento
Que isso não me faça sorrir
Eu gostaria de rir

Mas esta piada não tem mais graça
É muito perto de casa
É muito próxima ao osso
É muito perto de casa
É muito próxima ao osso
Muito mais do que você jamais saberá

Você os chuta quando eles caem
Você os chuta quando eles caem
Por que você tem que fazer isso?
Você os chuta quando eles caem
Você os chuta quando eles caem

Estava escuro como se eu dirigisse até chegar em casa
E nos bancos frios de couro
De repente me pareceu
Que eu simplesmente posso morrer
Com um sorriso no rosto afinal

Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
E agora está acontecendo na minha
Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
E agora está acontecendo na minha
Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
E agora está acontecendo na minha
Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
Agora está acontecendo na minha
Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
Agora está acontecendo na minha
Acontecendo na minha, acontecendo na minha, acontecendo na minha
Acontecendo na minha
Eu vi isto acontecer na vida de outras pessoas
Agora, agora, agora
Está acontecendo na minha
Acontecendo na minha
Agora...

Comentário
Tentei ser o mais literal possível, isto é, busquei fazer uma tradução ipsis litteris. Mas algumas expressões como "parar no acostamento" devem ser contextualizadas, assim como o valor semântico de algumas palavras como "casa" e "osso", que parecem ser metáforas. Não utilizei recursos de adaptação formal, ou seja, ignorei as rimas e outras figuras fonéticas, prezando pela letra no seu sentido bruto, cru (i.e.: literal).

terça-feira, 5 de abril de 2016

Rock underground (no mainstream)

Três bandas de rock alternativo que se popularizaram por serem antipop.

Joy Division (Manchester, Inglaterra: 1976 – 1980).
Gêneros: pós-punk, rock alternativo.
Surgiu como uma banda punk, inicialmente batizada Warsaw, mas assim que desacelerou o ritmo da bateria, assumiu a “morte” do punk e fez nascer o pós-punk, uma tendência que influenciaria fortemente o som das bandas de rock da década de 1980 em todo o mundo. As harmonias e letras eram um pouco mais sofisticadas que da moda punk, mas ainda assim era um som muito cru. Inovaram com o uso de teclados e sintetizadores. Lançaram apenas dois álbuns, Unknown Pleasures (1979) e Closer (1980), alguns singles e coletâneas póstumas. Além desses discos, gravaram uma demo de punk-rock ainda sob o nome de Warsaw. Tanto pelo som quanto pelas letras, o Joy Division é uma banda melancólica, fato explicado pelas tragédias do vocalista Ian Curtis: a epilepsia e os terríveis efeitos colaterais que os medicamentos causavam, além de problemas conjugais. O filme “Control” (Preto e Branco, 2007) detalha com excelência o drama cinematográfico de todas as tristezas na vida desse vocalista e compositor. Quando a banda acabou em 1980, devido à morte de Curtis, os integrantes remanescentes fundaram o New Order. Então, outra moda surgiu: o synthpop, som construído a partir de sintetizadores, e o new wave, som dançante que marcou aquela década.

The Smiths (Manchester, Inglaterra: 1982 – 1987)
Gêneros: pós-punk, rock alternativo, indie rock (rock independente), jangle pop.
The Smiths são ainda hoje a banda mais associada ao gosto do roqueiro intimista, desajeitado e tímido, aquele tipo de pessoa que não vê lugar para si na sociedade, mas que sobrevive à margem, sendo ela mesma, aceitando seu desajuste social. Estereótipo ou não, as letras da banda não deixam dúvida sobre esse aspecto. Já na música, se diferenciaram muito de seus contemporâneos. O jangle pop era o som característico de bandas dos anos 60 como The Byrds, influenciadas por algumas canções dos Beatles como “A Hard Day’s Night”, “What You’re Doing” e “Ticket to Ride”. A marca desse tipo de harmonia é a guitarra dedilhada, valorizando os arpejos que não só acompanham, mas também complementam a melodia cantada. Essa foi uma das contribuições de Johnny Marr, guitarrista e compositor, ao som dos anos 80. Já o seu parceiro de composição renderia aqui um capítulo à parte. Morrissey, vocalista e letrista, é vegetariano. Nas suas apresentações em carreira solo, os locais de seus shows adaptam-se à sua exigência de não vender carne. Na época dos Smiths, proibia seus colegas de banda de serem fotografados comendo carne. Além disso, ele é muito avesso às instituições em geral. Diz o que lhe vem à cabeça. Fala mal da política e de tudo que lhe incomoda, cita nomes e não poupa nas críticas. Esta coleção de “excentricidades” típicas de um ser sensível lhe rendeu uma má fama entre as gravadoras. Mas tirando o lado “rebelde” do poeta, ele é muito meigo no trato com os fãs e com os animais. Certa vez, usou um aparelho auditivo num show em gesto de solidariedade a um fã surdo que se sentia excluído pelos colegas de escola. Morrissey é um ser ambíguo, conhecido e reconhecido tanto pela proximidade com os fãs, quanto pela sua língua solta e irrefreável, além de outras coisas que aos olhos da mídia (mainstream) são antipopulares, como sua assumida postura celibatária na época dos Smiths, contrariando o estereótipo do roqueiro libertino, e consequentemente, não rendendo holofotes (lucros) aos paparazzi que procuram sempre expor a intimidade dos artistas.

Nirvana (Seattle, EUA: 1987 –1994)
Gêneros: grunge, rock de garagem, rock alternativo.
Das três bandas citadas aqui, o Nirvana é a mais conhecida. Mesmo preferindo tocar em locais pequenos, acabou cedendo ao gosto da gravadora para tocar em grandes eventos, como o Hollywood Rock no Brasil. Na ocasião, Kurt Cobain não economizou no sarcasmo durante o evento patrocinado por uma marca de cigarro. Mesmo sendo fumante e recebendo seu cachê daquele patrocinador, ele expôs sua “rebeldia”, ainda que a contragosto dos fãs que berravam “Canta Smells Like Teen Spirit”. Mas no rock, o que atrai não é ser desajustado e rebelde? Então, por mais que o vocalista exprimisse sua revolta, tudo o que ele criticava acabava virando manchete. E isto, sua alma punk, contrária ao mainstream, somada à sua depressão crônica, não pôde suportar! O som do Nirvana é, logo, justificadamente agressivo, beirando ao caos e incitando à liberdade criativa nas várias bandas que viriam a surgir sob essa influência. Mas ao analisar com mais atenção, as melodias são tão excitantes quanto as do Led Zeppelin, Aerosmith e Beatles (influências que Kurt Cobain nunca negou). Essa linha melódica fica ainda mais evidente ao assistir ao “Acústico MTV em New York”, onde a banda apresenta um memorável show, talvez o melhor do gênero "Acústico MTV".

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O artista (Oscar Wilde)

"O artista" por Oscar Wilde (1854 – 1900)

Uma noite veio do interior da sua alma o desejo de esculpir a estátua do "Prazer que dura um instante" e saiu pelo mundo em busca do bronze, porque só podia imaginar sua escultura em bronze.

Mas todo o bronze do mundo tinha desaparecido e em nenhuma parte do mundo podia encontrar-se bronze, salvo o da estátua da "Tristeza que dura para sempre".

Ora, essa imagem ele mesmo quem a esculpiu com suas próprias mãos. Havia modelado aquela estátua, colocando-a no túmulo do único ser a quem amara em sua vida. Então, na sepultura daqueles restos mortais que ele tanto havia amado, deixou aquela estátua erguida por ele para que fosse um sinal do amor imortal do homem e um símbolo da dor que dura para sempre. E no mundo inteiro não havia outro bronze senão o bronze daquela estátua.

E tomou a estátua que havia modelado, colocou-a em um grande forno e entregou-a ao fogo.

E com o bronze da estátua da "Tristeza que dura para sempre", modelou uma estátua do "Prazer que dura um instante"


(in "Complete Works" – poems in prose. Tradução nossa)
Obras Completas de Oscar Wilde  – poemas em prosa


Comentário:
É possível vislumbrar neste poema um paralelo com a antiga parábola budista da "semente de mostarda". Nesta, uma mãe carrega seu filhinho morto no colo procurando por algo que pudesse trazê-lo à vida. Após muita procura, alguém recomenda que ela ouça o sábio budista que habitava aquela região. Ela o encontra e pede-o uma cura. Ele diz que a cura é uma semente de mostarda que deve ser doada por uma família a quem a morte nunca tenha tocado. A mulher sai à caça dessa semente e em todas as portas em que batia, as pessoas se mostravam solidárias ao dar-lhe a semente, mas quando ela perguntava se alguém daquela casa já havia morrido, a resposta era sempre positiva. Em nenhuma família, em nenhuma casa, em nenhum lugar, a morte não havia tocado. Então a mulher voltou ao sábio budista e disse: "Enterrei meu filho no bosque, junto com minha dor, agora estou pronta para seguir-te".

A parábola budista fala do desapego das coisas mundanas, do ato de desapegar-se dos problemas que na vida não tem solução, e como esse desapego leva à superação da dor que é provocada pelos desejos do ego. Essa antiga filosofia oriental reapareceria cerca de 100 anos mais tarde na Grécia pós-Socrática sob os títulos de Cinismo e Estoicismo. Esta última corrente floresceu no Império Romano e séculos depois foi recuperada no período Barroco europeu que sustentou os dizeres "Memento mori". A filosofia estoica ensina o homem a aceitar com serenidade o seu destino tal qual este se apresenta. Essa escola que influenciou os primórdios do cristianismo tem Zenão (na Grécia) e Sêneca (em Roma) como seus representantes. Também podemos ver o estoicismo na poesia de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa) que soma a essa filosofia o epicurismo. Já o Cinismo prega o desapego das coisas materiais. Foi fundado por Antístenes, discípulo de Sócrates, e levado ao extremo por Diógenes, que morava em um barril, na época de Alexandre, o Grande.

O poema de Wilde fala da superação de uma enorme tristeza provocada por uma grande perda, e de como um instante de felicidade ou a lembrança de um bom momento pode significar mais do que uma dor que se julga eterna.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Heróis dos quadrinhos: Watchmen

Na primeira enquete realizada aqui, o tema vencedor com 75% dos votos foi “heróis dos quadrinhos”. Este então é o tema desta postagem.

Watchmen (de Alan Moore)

Espaço-tempo: Estados Unidos, década de 1980, auge da Guerra Fria.

Este HQ, também chamado graphic novel (romance visual) aborda como questão central a seguinte pergunta: se super-heróis, com poderes ilimitados, existissem na vida real, quem ou qual instituição seria capaz de regulamentar suas ações e julga-los? Isto é: “Quem vigia os vigilantes?”.

Sendo tão poderosos, além de toda força humana – ainda assim sendo humanos emocionalmente imperfeitos – como controlar seus atos? Suas emoções pessoais combinadas à super força que eles detêm poderiam causar algum prejuízo à sociedade? Seriam eles foras-da-lei, julgando-se acima da Lei para realizar seus objetivos?

Este enredo mistura verossimilhança a elementos de fantasia. Podemos falar aqui duma realidade paralela que nos aproxima do real e nos leva a refletir sobre a História e outras questões como o poder, a justiça, a liberdade etc.

De todos os heróis envolvidos nesta HQ, o Dr. Manhattan é o único que possui poderes supernaturais. Após um acidente de laboratório sua forma humana se desmaterializa. Sua condição passa a ser a de um homem azul que manipula a matéria de acordo com a sua vontade. Além disso, ele enxerga o futuro, entendendo o tempo como algo relativo (personagem construído a partir das teorias de Einstein). Este é um correlato do Superman, um super-herói com poderes ilimitados.

Os demais são seres humanos “comuns”:

- Coruja, que além de habilidades em luta, possui domínio de tecnologias avançadas (uma espécie de Batman, mas muito tímido e inseguro);

- Rorschach (nome do teste de livre-associação), um personagem com graves traumas psicológicos, detetive, habilidoso, mas que se julga incapaz de conviver em sociedade, em suma, um misto de justiceiro e (quase) sociopata;

- Espectral, uma mulher que segue os passos de sua mãe na “carreira” de super-heroína, mas vive problemas emocionais por desconhecer a identidade de seu pai;

- Comediante, um homem que segue seus instintos, vive segundo a sua vontade, luta e usa armas para combater o crime e encara a vida como uma grande piada de mau gosto;

- Ozymandias, conhecido como o "homem mais inteligente do mundo".

Nesta realidade paralela construída para os quadrinhos, os EUA venceram a Guerra do Vietnã graças à ajuda desses heróis, em especial o Dr. Manhattan, a quem muitos batalhões vietnamitas se renderam.

Mas após esse episódio a preocupação deles passa a ser outra: deter a Guerra Fria e a extinção de toda a humanidade. O final para esta questão e para os dramas pessoais de cada herói é surpreendente.

Se eu me estender mais nesta postagem, acabarei analisando e, consequentemente, revelando surpresas desse drama. Portanto deixo as análises a cargo dos que ainda lerão esta obra premiada, polêmica e envolvente de Alan Moore.

Também vale a pena assistir ao filme Watchmen, baseado nos quadrinhos. Na trilha sonora: Bob Dylan, Paul Simon, Jimi Hendrix etc.

Filme: Watchmen















Para ler mais sobre "heróis" neste blog, clique nos marcadores ao final desta postagem. Também no link a seguir: Narratologia.

terça-feira, 22 de março de 2016

Blog Interlúdico (novidades e como navegar)

Agora você pode seguir o Interlúdico por e-mail. Para isso basta inserir o seu e-mail na barra que fica no canto superior à direita e clicar em submit. Pronto! Você receberá via correio eletrônico um aviso quando houver uma nova postagem.

Outra novidade é a enquete. Esporadicamente, o blog lançará enquetes aos seus leitores.

Lembrando que em arquivo do Interlúdico você tem acesso a todo histórico de postagens do blog, podendo pesquisar e visualizar qualquer texto já publicado aqui. O Interlúdico inaugurou em abril de 2011. Com esta, são ao todo 175 postagens.

Outra ferramenta de pesquisa são os marcadores. Ao clicar numa das palavras que aparecem marcadas, o blog o levará a todas as postagens que contenham a mesma palavra-chave.

Os marcadores, a opção comentar e a opção compartilhar (por e-mail, Twitter, Facebook etc) aparecem no retângulo branco ao final de cada postagem.

E em postagens mais acessadas você tem a lista com links que facilitam o acesso a essas postagens.

Se você procura uma interação lúdica com as Artes, seja bem-vindo. É de graça.

Obrigado pela sua visita!

quinta-feira, 17 de março de 2016

Humanas: 4 cursos que...

Se você é curioso, gosta de ler e aprecia as artes, estes são os quatro cursos das Ciências Humanas que, a meu ver, transformarão a sua visão de mundo:


Psicologia – é uma ciência humana por excelência. Busca o resgate daquele sujeito que, por algum motivo, julga-se perdido em alguma área da sua vida. O psicólogo ouve, avalia o caso (individual ou coletivo) e orienta. Em última análise, é o profissional encarregado de encaminhar o sujeito à busca de sua autorrealização, à procura da felicidade.

Atua em clínicas, hospitais, empresas públicas e privadas.


Letras – O conhecimento humano define-se, dentre outras coisas, pela linguagem. O profissional de Letras é um especialista na leitura, análise e ensino da língua e seus diversos códigos. Estuda a comunicação oral e escrita considerando o conteúdo e a estética textual. Reflete sobre os conceitos de significado, cultura e expressão.

Atua em escolas, faculdades, universidades, editoras etc.


Filosofia – É um conhecimento multidisciplinar por definição. Lida com questões humanas, naturais e metafísicas. Investiga o próprio conceito de “conhecimento”. Pondera sobre a essência do ser, da ética, da política, da estética e da felicidade. Em suma, encarrega-se das primeiras e mais profundas questões existenciais.

Atua em escolas, faculdades e universidades.


História – Registra e reflete sobre as ações humanas ao longo do tempo e suas implicações. Considera as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais. É a literatura dos fatos conhecidos e gerais. Ao lado das Letras, também é uma disciplina fundamental para todos os demais campos das Ciências Humanas.

Atua em escolas, faculdades, universidades e empresas.




segunda-feira, 14 de março de 2016

Os olhos dos pobres (Baudelaire)

Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.

De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estreia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.

Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.

Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.

Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!


Charles Baudelaire
De Le "Spleen" de Paris
 (O "tédio/melancolia de meados do século" de Paris); 
Les Petits Poèmes en prose (Os pequenos poemas em prosa), 1869.

Nota pessoal: Conheci este poema há poucos anos por intermédio de um amigo que faz Doutorado em Direito na UBA (Universidad de Buenos Aires - Argentina). Um professor de lá recomendou à turma de doutorandos a leitura deste poema.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Marketing e Psicologia Organizacional

Marketing pessoal e marketing empresarial funcionam basicamente da mesma forma.

Marketing pessoal: Ninguém se dará ao trabalho de enxergar a sua beleza interior – por mais bela que seja – se você é calado(a), não sorri, não cumprimenta as pessoas com um ‘bom dia’ sincero, não se veste bem e não cuida da higiene pessoal. Não espere que uma pessoa especial enxergue essa beleza interior em você apesar do aspecto exterior desleixado. Há pessoas muito especiais que a verão, mas elas são exceções. Não é uma atitude correta esperar isso dos outros, muito menos cobrar isso deles.

O mesmo pode ser aplicado ao marketing empresarial.

Marketing empresarial: Uma empresa tímida, que não investe seriamente em Comunicação profissional e que não ouve seus clientes não terá futuro. Uma empresa para se manter no mercado deve aprender a se renovar e a não esperar o cliente bater à sua porta, mas ir até ele. A empresa deve apresentar-se primeiro, depois esforçar-se para manter um bom relacionamento com seus clientes e funcionários. Agradar seus clientes e ser ativa na fidelização e captação é o primeiro mandamento de uma empresa de sucesso (não importa o tamanho dessa empresa). O produto vendido pode ser o melhor possível, mas não sobreviverá por muito tempo sem comunicação eficaz, sincera e profissional. Ninguém se dará ao trabalho de enxergar a beleza da marca ou do produto se a comunicação não causar empatia.

A Psicologia Organizacional ensina que o empregado satisfeito com a empresa trabalha melhor, rende mais e defende a empresa com sinceridade. Estando satisfeito ele trabalha feliz e de modo saudável, consequentemente, sua visão sobre a empresa é verdadeira e ao falar com o cliente ele vende a sua ‘verdade’.  Isso causa empatia na clientela (fidelização) e no público-alvo (captação). A satisfação do empregado numa empresa rende benefícios que vão além dos lucros contáveis, ou seja, o nome e a marca se fortalecem. Esta é uma verdade válida em qualquer sistema econômico.

O marketing pessoal e o empresarial devem partir da premissa de que ninguém está interessado em conhecer você, sua marca ou produto. Para que estes se tornem atrativos, a comunicação deve ser verdadeira, atrativa e causar empatia nas pessoas. Isso se faz com algumas técnicas publicitárias e algum conhecimento em psicologia organizacional. Mas o mais importante é ‘vender’ a verdade, porque não se pode ignorar a ética em nenhum momento. Ela é reconhecida e valorizada pelas pessoas. E isso faz toda a diferença.


Pessoa ou empresa, se você quer ter amigos fiéis ou clientes fiéis, seja ético!