segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Bob Dylan - Nobel de Literatura 2016

O cantor e compositor americano Bob Dylan é o eleito para o prêmio Nobel de Literatura 2016. Isso soou estranho para alguns, surpresa para outros, e não faltaram críticas do tipo "Ele deveria receber um Grammy". Este prêmio ele também já possui, dentre vários outros.

Dylan mereceu? Dada a importância de suas letras, Sim! Uma prova disso é que a revista Rolling Stone elegeu uma de suas músicas como a mais importante de todos os tempos. A música é "Like a rolling stone". E quando Dylan foi introduzido ao Rock and Roll Hall of Fame, Bruce Stringsteen disse: "Elvis libertou seu corpo, Dylan libertou sua mente.".

O documentário "No direction home" de Martin Scorsese traça a vida do cantor em seus primeiros anos de carreira e mostra o impacto que Dylan causou na música folk e pop.

Outro argumento a favor de Dylan é a influência que ele foi para importantes artistas e bandas de rock. Cito apenas uma: The Beatles.

E as letras de música podem ser consideradas poesia/literatura? A resposta é Sim! Desde a Grécia Antiga, o hino, a ode, o epinício, a elegia, o ditirambo etc e na Idade Média a canção, a cantiga (trovadora), a balada, o madrigal, o rondó etc eram todas formas de poesia cantada. Daí essas formas poemáticas serem agrupadas e categorizadas na Teoria Literária como sendo formas líricas. Até mesmo no nome elas têm relação com a música: ode (canto, em grego), soneto (sonzinho, em italiano), hino, cantiga, canção etc.

Após o anúncio da premiação, Dylan foi acusado de ser arrogante, por ter se mantido em silêncio. Mas o prêmio era pela sua contribuição que "criou novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Ou seja, não era um prêmio para "cantor/compositor mais simpático".

Mas sempre há os críticos com aqueles argumentos do tipo: "há tantos escritores por aí que mereciam". Sim, há. Todos eles provavelmente merecem. Mas vejo essa premiação como um importante e definitivo reconhecimento de que as letras de música pop, folk e rock têm valor poético. Ou ainda, de que a letra de música é poesia (como sempre o foi, desde a tradição grega). 

Pessoalmente, se fosse pelas letras de músicas eu teria elegido John Lennon ou Morrissey (The Smiths). Mas Morrissey começou nos anos 80, quando todas as maiores revoluções já tinham acabado, e Lennon só começou a apresentar letras realmente interessantes a partir de 1965 com a música "Help", e depois gradualmente no álbum Rubber Soul (1965), mais ainda em Revolver (1966), Sgt. Peppers (1967), a música "All You Need is Love" (mesmo ano), "Revolution" (68) e assim por diante até por toda sua carreira solo (1970-80). Dylan começou a ser diferente e a chocar o mundo um pouco antes, já em 63 com "Blowin in the wind" e mais ainda em 65 com "Like a rolling stone". Por isso, ele é o cara! Sua poesia de protesto, influenciada pela literatura beat e a música folk são os elementos que o fizeram ser reconhecido, admirado, seguido e copiado.

Se Dylan aceitará o prêmio, isso já é outras história. O filósofo Jean-Paul Sartre, vencedor do Nobel, o recusou. E o poeta brasileiro Carlos Dummond de Andrade desencorajou sua candidatura. Talvez Dylan seja desses. Afinal, dinheiro, prêmios e reconhecimento pelo seu talento são coisas que não lhe faltam. Humildade, simpatia, essas coisas talvez sim. Mas nossa sociedade sempre premiou o talento, o mérito, não a humildade e a simpatia (pelo menos não com um prêmio no valor de quase 1 milhão de dólares). 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ozymandias

Ao vir de antiga terra, disse-me um viajante,
Duas pernas de pedra, enormes e sem corpo,
Acham-se no deserto. E jaz, pouco distante,
Afundando na areia, um rosto já quebrado,
de lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante
Mostra esse aspecto que o escultor bem conhecia.
Quantas paixões lá sobrevivem nos fragmentos,
À mão que as imitava e ao peito que as nutria!
No pedestal estas palavras notareis:
"Meu nome é Ozimândias, e sou Rei dos Reis
Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!"
Nada subsiste ali. Em torno à derrocada
Da ruína colossal, areia ilimitada
Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.


Percy Bysshe Shelley, 1818.
Tradução de Eugênio da Silva Ramos.

Comentário:
No poema vemos um exemplo de efemeridade: o tempo a tudo corrói, destrói, derruba, leva consigo... Até mesmo a pretensa "divindade" do Faraó Ozimândias (Ramsés II) cujo império e poder foram consumidos pelas areias do tempo.