domingo, 20 de novembro de 2016

O pássaro engaiolado

Da minha janela vejo um pássaro engaiolado. E os pássaros livres voam em volta dele. Ele tem água e comida em fartura, mas não parece feliz, ao contrário daqueles que voam livres ao seu redor e só contam com  a providência divina para comer e beber.

Parece uma metáfora sobre a inútil tentativa humana de governar o destino dos outros. Ou uma alegoria sobre o capitalismo. Ou uma autorreflexão sobre vontades e frustrações, disfarçada por arquétipos oníricos. Ou uma epifania sobre os desígnios de Deus. Mas não. É apenas um pássaro engaiolado, triste, real e nada simbólico. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A origem de Monga

Em 1901, no interior da Rússia havia um pequeno circo, tão pequeno que não tinha nome. Tinha anões, um homem forte, mímicos malabaristas, equilibristas e um tocador de trompete, mas não tinha nome. A atração principal era um mágico ilusionista, talvez o melhor de sua época.

Num palco escuro, cheio de suspense e surpresas, esse mágico materializava qualquer animal ou objeto no ar. E com igual facilidade ele fazia essas coisas levitarem diante de um respeitável público. Certa vez ele fez um elefante desaparecer do picadeiro, como se tivesse evaporado tão rápido quanto um piscar de olhos. A plateia batia palmas tão alto e tão forte que dava a impressão de o som dos aplausos poderem chegar à capital.

Mas tanta comoção também trouxe ventos de inveja. Seu camarim era muito visado, porque lá estavam guardados todos os objetos de mágica. Por isso ele não podia se afastar muito. Lá ele comia, dormia, aparava a barba e o bigode. Toda a sua vida estava ali. Obviamente nunca recebia visitas no interior do camarim. Era de lá para o picadeiro e do picadeiro de volta para lá. O problema era como fazer para proteger seus segredos de mágico enquanto ele estava no centro do picadeiro entretendo e encantando as pessoas.

De tanta preocupação, um dia ele teve um estalo e Zap! Inventou um método para espantar curiosos e espiões que tentavam descobrir seus segredos e vender para outros mágicos.

Numa noite de espetáculo três meninos aguardavam o mágico entrar no picadeiro. Após dois números eles saíram da lona como se fosse para comprar pipoca ou ir ao banheiro, mas o que eles realmente procuravam era o quarto do mágico. E lá fora encontraram entre tendas um corredor sombrio que dava naquele camarim. Os moleques seguiram pelo corredor, mas se depararam com uma jaula vazia bem na frente da porta do camarim. Quando se aproximaram um pouco mais, uma luz se acendeu e eles viram uma mulher belíssima dentro daquela jaula. Ficaram pasmos por aquela surpresa, mas também admirados pela beleza da moça. Não deram nem mais um passo, mas os olhos se moviam na direção dela. E apreciando aquela forma feminina eles pouco a pouco viram a mulher se transmutar num enorme gorila enfurecido e que rompeu as grades da jaula. Os três rapazes saíram de lá apavorados, correndo o mais rápido que podiam e sem olhar para trás.

E foi assim, nos bastidores, longe do interior da lona circense, que aquele grande mágico fez a sua maior contribuição para o mundo do ilusionismo.

Após a sua morte, já em idade avançada, o truque da mulher gorila se espalhou pelo mundo, tornando-se mais uma atração de parques e circos. Não se sabe muito bem como ou quem revelou o segredo, mas essas coisas são assim mesmo, ainda que não se entenda o porquê. Os segredos dos mágicos se esfarelam com o tempo, como pedras que viram pó e são carregadas pelo vento.